12/02/2014
Por Karina Toledo
Agência FAPESP – Em testes feitos com animais, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) mostraram que o silenciamento específico de um gene – o E2F2 – reduz significativamente o risco de células-tronco embrionárias induzirem a formação de tumores sem diminuir sua pluripotência (capacidade de se diferenciar em qualquer tipo de tecido).
A descoberta pode ajudar a superar um dos principais obstáculos para o avanço de terapias à base de células-tronco pluripotentes – consideradas esperança de cura para lesões medulares, degeneração macular e doenças como diabetes, Parkinson, Alzheimer e distrofia muscular.
Os resultados do projeto “Fator de transcrição E2F2 e expressão de proto-oncogenes em células-tronco embrionárias humanas”, apoiado pela FAPESP, foram divulgados em janeiro na revista Stem Cells and Development.
“Embora ofereçam muitas vantagens, como a grande capacidade de se autorrenovar e de gerar células de qualquer tecido do organismo, as células-tronco embrionárias têm uma desvantagem: o risco de causarem tumores do tipo teratoma”, disse Oswaldo Keith Okamoto, professor do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências da USP e coordenador da pesquisa.
Esse tumores são formados por uma mistura de diferentes tipos de células das três camadas germinativas: endoderma, mesoderma e ectoderma. “Embora sejam benignos em sua maioria, formas malignas de teratomas também existem. Em conjunto, eles representam um risco aos pacientes e são um empecilho para a realização de testes clínicos”, disse Okamoto.
Em artigo publicado em 2007 na revista Biochimica et Biophysica Acta, Okamoto e colaboradores observaram um padrão aberrante na expressão do gene E2F2 em culturas de células-tronco tumorais.
“Estávamos estudando amostras de glioblastoma, o tipo mais agressivo de câncer cerebral. Isolamos as células-tronco desses tumores e fizemos uma análise genética para ver quais eram os genes com expressão aberrante nessas células. Elas são muito relevantes do ponto de vista clínico, pois são mais eficientes em gerar tumores e mais resistentes a tratamento com químio e radioterapia”, contou o pesquisador.
O grupo observou que, quanto maior era a expressão do E2F2, maior era o grau de agressividade tumoral. “Desconfiamos então que também nas células-tronco embrionárias esse gene poderia estar relacionado à tumorigênese”, contou Okamoto.
A hipótese foi inicialmente testada in vitro, em culturas de células-tronco embrionárias humanas. O gene E2F2 foi silenciado com auxílio de uma técnica conhecida como RNA de interferência, na qual são usadas pequenas moléculas de RNA não codificadoras de proteínas capazes de se ligar ao RNA mensageiro de um gene específico e interromper sua expressão.
“O silenciamento do E2F2 in vitro inibiu significativamente a proliferação das células-tronco embrionárias e sua capacidade de geração de novas colônias”, contou Okamoto.
O passo seguinte foi testar o efeito do procedimento em camundongos imunossuprimidos. Para isso, os animais foram divididos em dois grupos. Metade foi inoculada com células-tronco embrionárias controles e a outra metade, com as células modificadas.
Em avaliação feita 30 dias depois, o grupo que recebeu as células controle havia desenvolvido tumores com volume médio superior a 50 milímetros cúbicos (mm³), enquanto o grupo que recebeu as células com o gene silenciado ainda estava livre de tumor.
Em uma segunda avaliação, feita 60 dias após a inoculação, os tumores do grupo que recebeu as células-tronco controles já estavam com mais de 2 mil mm³, enquanto no outro grupo o volume médio foi de apenas 60 mm³.
“Acompanhamos os animais por até 90 dias após a inoculação das células-tronco modificadas e observamos que o crescimento do tumor estabilizou”, disse Okamoto.
Outra série de experimentos foi então realizada para assegurar que o procedimento não havia afetado a pluripotência das células-tronco embrionárias.
“Estimulamos, in vitro, as células-tronco modificadas a se diferenciarem em células dos três folhetos germinativos e isso ocorreu normalmente. Além disso, elas continuavam expressando os chamados fatores de pluripotência, que incluem proteínas como a Oct4, a Nanog e a Sox2”, contou Okamoto.
A análise dos pequenos tumores formados nos camundongos que receberam as células-tronco modificadas também revelou traços típicos de teratoma. “Embora os tumores estivessem subdesenvolvidos por causa do silenciamento do gene E2F2, continham células dos três folhetos germinativos. E a formação de teratoma é indício de pluripotência”, disse o professor do Instituto de Biociências da USP.
Segundo ele, o E2F2 é um gene-chave porque, além de regular os chamados oncogenes (genes relacionados ao surgimento de tumores malignos ou benignos), regula também uma série de outros genes envolvidos em processos importantes como proliferação e diferenciação celular, replicação de DNA e morte por apoptose.
Células pluripotentes induzidas
Em um futuro próximo, o grupo de Okamoto pretende realizar, no âmbito do Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco (HUG-CELL), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP, experimentos para confirmar se o silenciamento do gene E2F2 apresenta o mesmo efeito benéfico nas células pluripotentes induzidas (IPS na sigla em inglês).
As células IPS podem ser obtidas a partir de células comuns da pele. Para isso, são inseridas na célula adulta certas proteínas – conhecidas como fatores de transcrição – capazes de reprogramar o genoma celular. Esses fatores de transcrição ativam genes relacionados ao estágio embrionário da célula e desligam outros genes que deveriam estar ativos após o amadurecimento.
“Acreditamos que o mesmo que observamos em células-tronco embrionárias humanas deve ocorrer nas IPS. Isso seria muito interessante do ponto de vista terapêutico, pois esse tipo de célula pode ser obtida a partir de tecido do próprio paciente a ser tratado. Não oferece, portanto, o mesmo risco de rejeição das células-tronco embrionárias”, disse Okamoto.
FONTE: http://agencia.fapesp.br/18615
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