domingo, 22 de março de 2015

Terapia Gênica ou Engenharia Gênica Terapêutica e o futuro da Medicina Regenerativa.





A Terapia Gênica ou Engenharia Gênica Terapêutica é o futuro da Medicina Regenerativa. E isto não se refere à genética ou apenas às doenças genéticas. Isto tem a ver com Engenharia Gênica que é um ramo específico da Biologia Molecular que pode ser aplicada à Medicina Regenerativa. De fato, em todas as especialidades médicas. Quem lida com isto atualmente na área médica é a Medicina Translacional.

O que é a Terapia Gênica ou Engenharia Gênica Terapêutica? 

A terapia gênica é um conjunto de técnicas moleculares que substituem ou concertam um gene defeituoso ou, ainda, capazes de modificar o funcionamento de genes dentro das células e tecidos do corpo do indivíduo para o tratamento de doenças.

Utiliza-se desde vírus que servem como transportador de um fragmento de DNA, o chamado de Gene Terapêutico, até as sequencias especiais de RNA, chamadas de Oligonucleotídeos Terapêuticos.

Em ambos os casos, as moléculas terapêuticas deverão chegar até as “células doentes” e agir diretamente no DNA (material genético) ou na sua linha de produção. Deve ficar claro que existem vários outros métodos de engenharia gênica em desenvolvimento e que despontam como ferramentas potencialmente importantes para as correções de defeitos genéticos, inclusive em embriões. Estes não serão tratados aqui.

Gene e Nucleotídeo Terapêuticos têm as seguintes funções terapêuticas:

1- Nas doenças hereditárias ou genéticas, que são aquelas em que os doentes possuem o seu DNA com mutação em genes que resultam em problemas de saúde.
Neste caso, o gene terapêutico pode remover o gene causador da doença, substituir o gene multado ou regular o grau de atividade ou inatividade do gene causador da doença.
Os Oligonucleotídeos Terapêuticos também são utilizados experimentalmente em algumas doenças genéticas.

2- Nas doenças que não são genético-hereditárias e não são relacionadas a mutações causadoras da patologia. Estas formam a grande maioria das doenças médicas. Neste caso, a doença atinge um grupo mais restrito de células e tecidos, mas que, não por isto, este grupo de doença é menos grave ou menos mortal.

Neste caso, o gene terapêutico é levado até estas células e tecidos doentes e lá ele vai realizar as suas funções. Que funções são estas? As funções dependerão do tipo de célula-alvo e do gene terapêutico, e a resposta final vai depender do tipo de função que ambos, célula e gene, desempenham no organismo. O mesmo pode ser dito para os Oligonucleotídeos Terapêuticos. Assim, as respostas podem ser as mais diversas, o que amplia enormemente os benefícios das Terapias de Engenharia Gênica, por exemplo:

a- nas células inflamatórias. As Terapias de Engenharia Gênicas podem modificar a inflamação que acompanha a maioria dos processos neurodegenerativos graves, inclusive no sistema nervoso.

b- nas células do sistema imunológico. Podem melhorar o sistema imunológico e de defesa do organismo, promovendo a proteção celular contra agressões e a morte. Inclusive a proteção dos neurônios.

c- diretamente nas células de todos os sistemas do organismo. Aqui, chama a atenção a célula nobre, o neurônio, que não é substituído após a agressão e morte. Vou dar um exemplo prático. Quando o neurônio é agredido, ele morre porque seus genes de “morte” celular que estão inativos (dormentes) são subitamente ativados (acordados). Noventa por cento das mortes neuronais ocorrem desta maneira. Isto mesmo!!!

 As células são dotadas de genes de morte que quando ativados direcionam as células para a morte. É mais ou menos assim. Quando uma célula é agredida ou fica doente, o organismo faz de tudo para mantê-la viva. Depois de algum tempo, quando não obtém sucesso, então, ele inverte a situação e passa a forçar a morte da célula. É uma maneira de proteger as células vizinhas daquela que está com o problema.

Estes genes de morte celular podem ser silenciados ou inativados pela Engenharia Gênica Terapêutica. O processo de morte neuronal pode ser então abortado. Levar genes terapêuticos até os neurônios agredidos e impedir que eles morram é o futuro promissor para a cura das doenças neurodegenerativas nas células-tronco. Neste caso, eu faço uma pergunta para o melhor entendimento dos leitores:

O que fazer no caso daquelas células que já morreram e o doente carrega deficiências consideráveis?

Neste caso, de novo, o sistema nervoso e o neurônio entram em foco, porque os efeitos das doenças neurodegenerativas são altamente debilitantes, causam disfunções e desabilidades graves, são de difícil tratamento e, em geral, levam o indivíduo à morte mais cedo ou mais tarde.

Os neurônios são células que não se dividem,  ou seja, o organismo não é capaz de repor os neurônios mortos. Por mais que o processo de reabilitação seja importante para a manutenção e ganho de função, nos casos das doenças neurodegenerativas progressivas, os efeitos benéficos da neurorreabilitação são limitados pelo tempo de evolução da patologia e pela gravidade da lesão.

A nova tecnologia das células-tronco permite a geração de novos neurônios a partir de células indiferenciadas. Apesar do grande entusiasmo inicial dos pesquisadores, o método ainda é limitado por muitos problemas a serem resolvidos.,por exemplo: a transformação de neurônios a partir de células-tronco no laboratório e posterior injeção no sistema nervoso lesado não funciona. Isto ocorre porque os neurônios morrem poucos dias após o tratamento. Isto não é culpa da rejeição imunológica, senão a terapia imunossupressora já teria resolvido isto.

Os neurônios “naturais” formados quando éramos ainda embriões e que carregamos ao nascimento serão aqueles que vão permanecer conosco até a nossa morte. Ou seja, é muito tempo em geral. A regra é simples: neurônios são mantidos vivos porque eles carregam genes de “sobrevivência”; por outro lado são mortos, quando genes de “morte” são ativados. Nos neurônios “não naturais”, ou seja, aqueles desenvolvidos a partir das células tronco, este sistema de regulação de genes de sobrevida e morte não funciona muito bem.

Por outro lado, apesar de igualmente frustrante, as células-tronco quando injetadas no sistema nervoso podem formam neurônios, mas muitos destes neurônios morrem antes que um benefício maior ou duradouro possa advir deste tratamento.

Ensaios clínicos atuais tentam mostrar os benefícios dos tratamentos com diversos tipos de células tronco em desordens do sistema nervoso. Benefícios, porém, ainda limitados são observados em alguns casos. Como se explica isto?

Na verdade, as células-tronco têm a capacidade de secretar diversas substâncias que modulam o sistema de diversas formas, promovendo ações restaurativas aparentemente interessantes. Por exemplo, as células-tronco secretam substâncias capazes de fortalecer os neurônios que estão morrendo, aumentando, assim, a sua sobrevida.

 Substâncias secretadas são capazes de melhoram o funcionamento dos neurônios sobreviventes. Ainda, substâncias liberadas pelas células tronco são capazes de induzir o processo de reparo e cicatrização das áreas comprometidas.Tudo isso pode levar benefícios ao paciente mas não resolvem o problema.

Ainda, as células-tronco podem receber genes específicos que aumentem a capacidade daquelas células produzirem e secretarem substâncias benéficas ao processo restaurativo. É a chamada de terapia ex vivo, ou seja, as células-tronco são retiradas do corpo, vão para o laboratório, recebem genes de interesse, as células passam a ser secretoras de moléculas que atuam especificamente no problema e depois são reinjetadas no indivíduo doente. Estas abordagens ex vivo já foram utilizadas com sucesso em algumas situações médicas, principalmente na área das imunodeficiências primárias. Entretanto, no que diz respeito às desordens neurodegenerativas, a metodologia ainda está sendo testada nos animais de laboratório.

A descoberta recente de uma molécula de RNA chamada Pncky e que a extirpação desta molécula do interior das células tronco precursoras de neurônios levam a formação de número 4 vezes maior de neurônios trouxe grande entusiasmo aos cientistas envolvidos com terapia celular. Particularmente, no caso das desordens neurodegenerativas. 

Deve ser ressaltado, que a utilização de vírus como carregador de genes e a extirpação de genes por manipulação do DNA ainda podem oferecer alguns riscos e imprevisibilidades. Na medicina, os riscos são sempre confrontados aos benefícios antes das tomadas de decisões.

Estes cuidados têm feito a Engenharia Gênica Terapêutica progredir no desenvolvimento metodológico. Atualmente os Nucleotídeos Terapêuticos mostram-se mais seguros e a metodologia entrou com força nos testes em doenças neurodegenerativas.

No caso da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), os Nucleotídeos Terapêuticos já são testados clinicamente. Por exemplo:  os Oligonucleotídeos específicos com sequencias contrárias (antisense) àquelas do DNA dos genes da SOD1 e Hexanucleotídeo do Cromossomo 9 (C9ORF72) já estão em Ensaios Clínicos de Fase 2. Lembrando que as mutações correspondentes à expansão do Hexanucleotídeo do Cromossomo 9 e do gene da SOD1 representam 40% e 20%, respectivamente, das formas familiares da ELA.

Certamente, num futuro próximo, a combinação da Engenharia Gênica Terapêutica  e da Terapia Celular poderá ampliar cada uma das ações descritas acima e, assim, oferecer resultados mais efetivos à Medicina Regenerativa.

Professor Gerson Chadi.
Médico e Professor Titular do Departamento de Neurologia da FMUSP.
Coordena o Projeto ELA Brasil. A Busca Por Soluções da FMUSP.