quarta-feira, 28 de setembro de 2011

DEBATE - Pesquisadores discutem estágio atual das pesquisas com células-tronco. Quando a medicina disporá de terapia celular?



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A professora Lygia da Veiga Pereira e o pró-reitor de pesquisas da Universidade de São Paulo (USP) Marco Antonio Zago trabalham na linha de ponta de experimentos científicos com células-tronco no Brasil. Ambos desenvolvem e orientam pesquisas há mais de uma década e têm expectativas e posições divergentes em relação ao futuro das experiências na área. Neste debate, coordenado pelo também professor e conselheiro do Cremesp Reinaldo Ayer de Oliveira, eles discutem sobre a situação atual das pesquisas, no Brasil e no mundo, e as perspectivas em torno de sua aplicabilidade na medicina. Acompanhe, a seguir, um resumo desse encontro e confira os currículos dos participantes ao final desta matéria
 Reinaldo Ayer: Como podemos entender as diferenças que existem entre as células-tronco embrionárias e adultas?

Marco Antonio Zago: São dois mundos, não apenas do ponto de vista conceitual, mas porque as questões éticas são diferentes, embora a imprensa as trate como se fossem uma única coisa. As grandes promessas estão nas células-tronco embrionárias e nas IPS (Induced Pluripotent Stem Cells, sigla em inglês para células-tronco pluripotentes induzidas), que são células adultas revertidas à capacidade de embrionárias. Porém, o pouco que temos de concreto foi obtido do trabalho com células adultas.

Lygia da Veiga Pereira: Um bom exemplo são as células-tronco da medula óssea que há décadas são capazes de se transformar e regenerar qualquer célula do sangue. Houve um boom nas pesquisas para explorar a possibilidade de que, talvez, na medula óssea, tivéssemos células adultas capazes de dar origem não só ao sangue, mas a outros tecidos. Depois, descobriu-se que essas células estão distribuídas pelo organismo no tecido adiposo, no sangue do cordão umbilical etc. Mas não sabemos se são capazes de se transformar em todos os tecidos. Por outro lado, temos segurança sobre o seu não malefício. Há décadas se faz transplante de medula óssea e elas não originam tumores. Outro universo é o das células-tronco de embriões aproveitados de técnicas de fertilização. Essas, por definição, são capazes de se transformar em qualquer tecido. Elas ainda não são usadas para renegerar um fígado ou pâncreas porque são conhecidas a menos tempo. Temos de aprender a domá-las em laboratório. Se as colocarmos em estado nativo num indivíduo, podem se diferenciar em vários tipos de células e formar um tumor. Elas apresentam efeito terapêutico importante em modelos animais, mas precisamos estudar melhor o seu comportamento.

Zago: São necessárias estratégias diferentes para desenvolver tratamentos, por um ou outro tipo de célula-tronco. No caso das adultas, primeiro temos de identificá-las em cada um dos tecidos humanos. Um estudo promissor é o de células-tronco de uma pequena região do olho chamada limbo, que pode reconstituir uma córnea lesada. Mas se o nicho de células for destruído, não se consegue recompor o olho. Quando células-tronco do olho contralateral são retiradas, cultivadas, ampliadas em laboratório e, depois, transplantadas, é possível recuperar a córnea lesada e a visão perdida. Nesse caso, uma célula-tronco adulta foi utilizada para recuperar o tecido a que normalmente dá origem. O desafio é obter células em quantidades suficientes para o tratamento, o que é complicado na maioria dos tecidos. Na medula, para obtê-las, basta fazer punção; na córnea não é tão fácil, mas podemos extraí-las de uma pequena região. Mas não se consegue obter células-tronco do coração para tratar doenças cardíacas. Na literatura há grande quantidade de trabalhos que exploraram ou exploram a via de coleta de célula da medula óssea para tratar outros tecidos; este é um sonho que não vai se realizar na maioria dos casos.

Ayer: No que os senhores trabalham no momento em seus laboratórios?

Zago: Nosso laboratório, em Ribeirão Preto, explora exatamente a capacidade de diferenciação das células da medula óssea. Por exemplo, uma célula primitiva pode dar origem a eritrócitos ou leucócitos, mas o que liga e o que se desliga dentro da célula para que ela siga um ou outro caminho de diferenciação? Além disso, na medula óssea há também a chamada célula-tronco mesenquimal, capaz de dar origem às células de gordura, de osso, de cartilagens etc. Inicialmente ajudamos a mapear essas células que são amplamente difusas no organismo – existem não apenas na medula óssea, mas no tecido adiposo, nas paredes de artérias e veias, em tecidos embrionários.

Lygia: Trabalhamos exclusivamente com células-tronco embrionárias. Fazemos isso com células de camundongo para poder modificá-las geneticamente e, a partir delas, gerar um animal com alguma alteração genética. Criamos modelos animais para síndrome de Marfan. Quando surgiram as células-tronco embrionárias humanas, já tínhamos experiências com as de camundongo. Essa pesquisa tem o objetivo aplicado de dar autonomia ao Brasil nos experimentos com células-tronco embrionárias. Se criarmos nossas próprias linhagens, não dependeremos mais da importação das células, que têm limitações de patentes e usos comerciais. Estamos estabelecendo essas linhagens a partir dos embriões doados à pesquisa. Também estou muito interessada em entender alguns eventos que acontecem com o cromossomo X durante o início do desenvolvimento embrionário em humanos. Não se pode estudar isso in vivo, porque acontece dentro do útero, mas é possível em células embrionárias cultivadas em laboratório. Ainda investimos em farmacologia e há uma terceira pesquisa, também aplicada, de utilização de células embrionárias como modelo in vitro para estudos sobre a eficácia e toxicidade de diferentes drogas.

Zago: Quantas linhagens de células-tronco foram obtidas até o momento no Brasil?

Lygia: Apenas duas.

Zago: Para essa atividade, a professora Lygia dependia da aprovação da Lei de Biossegurança. Essa é uma questão controvertida e há um grande debate na sociedade. No seu auge, há uns três anos, as pessoas acreditavam que, uma vez aprovada a lei, no dia seguinte surgiriam resultados. Um enorme engano! Na época, fizeram levantamento de quantos embriões disponíveis haviam no Brasil e contaram centenas, mas eles teriam utilização limitada. Serão muito raras as linhagens de células-tronco embrionárias desenvolvidas no Brasil. Muito pouco desses embriões de fato serão utilizados. A tecnologia envolvida é complicada. Os estudos serão restritos, especialmente agora que surgiu uma metodologia permitindo que uma célula adulta se transforme novamente em embrionária diferenciada – as IPS.

Ayer: Esse tipo de pesquisa já é realizada no Brasil?

Zago: Pelo menos três laboratórios brasileiros, sendo dois da USP – um de São Paulo e um de Ribeirão Preto – já têm linhagens obtidas de células adultas, que excluem a necessidade do uso de embrião.

Ayer: Quais são as fontes de financiamento dessas pesquisas?

Zago: A USP contribui com muitos recursos, com pessoal técnico, pesquisadores e estrutura física, especialmente equipamentos. Temos também fomento do Ministério da Ciência e Tecnologia, por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp); e do Ministério da Saúde.

Ayer: Basicamente trata-se de financiamento público, não há apoio do setor privado?

Lygia: Todos que conheço são financiados por instituições públicas. No Brasil, não temos a prática de financiamento privado em pesquisa.

Ayer: Esse financiamento é importante quando se está numa espécie de corrida?

Zago: Em relação às células-tronco, estamos na mesma corrida que o restante da ciência brasileira. Não há excesso nem falta de financiamento. O que temos de recurso está mais ou menos distribuído a toda a ciência brasileira e na mesma linha de competição de outros temas, da cardiologia, da nefrologia etc. Mas nossa produção é relativamente pequena comparada ao resto do mundo.

Lygia: Isso porque a nossa comunidade científica é pequena.

Zago: Nossa área se enquadra nos cerca de 2% da produção mundial. É o mesmo percentual em que toda a ciência brasileira se enquadra e corresponde ao PIB do Brasil – que é mais ou menos 2% do mundial.

Ayer: Se não temos um número maior de laboratórios, precisamos construí-los para poder competir? A ciência brasileira precisaria de um estímulo a mais e um financiamento suplementar, que seria o privado?

Zago: Neste momento, ele é adequado ao tamanho de nossa comunidade. Alguns países fazem opção especial por um projeto, investindo grandes recursos, como fez o Brasil na área de energias renováveis, particularmente o bioetanol. O Brasil direcionou muitos recursos para isso, o setor privado foi beneficiado e também está fazendo investimentos na área, de tal maneira que mudou o quadro mundial. Hoje, 40% da energia gasta no Brasil vem de fontes renováveis, enquanto representam apenas 13% no resto do mundo. Nunca houve no país a opção preferencial por pesquisas com células-tronco, como foi o caso da Inglaterra e da Califórnia, nos Estados Unidos. Isso provavelmente levará à concentração de competências e geração de resultados muito mais rápidos naquelas regiões do que no resto do mundo.

Ayer: No Brasil, é uma pesquisa que está mais ou menos no nível das instituições mundiais?

Lygia: Em relação às células-tronco embrionárias temos grandes desníveis, porque pudemos começar a trabalhar apenas em 2005, quando foi aprovada a Lei de Biossegurança. Temos uma comunidade científica pequena e pouquíssimos grupos sabem lidar com isso. Um dos objetivos do meu laboratório, junto com o do professor Stevens Rehen, da UFRJ, é capacitar mais pesquisadores.

Zago: Em determinado momento, houve grande aposta mundial em células-tronco adultas de medula óssea para tratar variadas doenças. Após uma década e muitos recursos investidos, o balanço foi pouco entusiasmante. Está claro que a terapia celular não será resolvida por elas. Para reparo de variadas doenças devemos seguir o modelo clássico de busca da célula no próprio tecido – seja pela diferenciação das células-tronco embrionárias, pelas IPS ou por um método que consiga retirar a célula-tronco adulta específica de um determinado tecido e multiplicá-la. Não adianta insistir com células da medula óssea, que servem, sim, para tratar doenças da medula óssea, como leucemias e anemia aplástica. Pode trazer resultados limitados para uma ou outra doença, mas ninguém mais acredita na perspectiva que se tinha antes.

Ayer: Na passagem da pesquisa básica para a clínica, ainda é preciso muita prudência?

Zago: Sem dúvida. Mas isso também depende da criatividade dos pesquisadores. Por exemplo, o professor Julio Voltarelli, da USP de Ribeirão Preto, desenvolveu um método importante para tratar diabetes grave do tipo 1, em que combina o uso de células-tronco da medula óssea. Muitos têm a impressão que ele usa células da medula para tratar a doença no pâncreas. Mas não é isso. Ele faz um tratamento imunossupressor, que propicia a melhora de uma parcela dos indivíduos quanto ao diabetes, mas esses pacientes morreriam em virtude da aplasia de medula. O autotransplante da medula obtida antes da imunossupressão permite que se recuperem.


Lygia: Boa parte das pesquisas são empíricas ou superficiais, do tipo “retira a célula-tronco, centrifuga, injeta e vê no que dá”, como se o fato de não fazer mal as justificasse. A partir de 2008, o edital sobre pesquisas com células-tronco do CNPq passou a exigir a explicitação dos mecanismos do estudo.

Zago: Temos de fazer a distinção entre terapia celular e experimentos científicos com células-tronco. Muitas pesquisas não são finalmente úteis ou não levam a resultados positivos, mas são feitas em contexto científico e submetidas à apreciação de comissões de ética. Essa é a maneira como a ciência caminha. Chegar a resultados negativos não é depreciativo. Mas, ao lado disso, surgem os charlatões, que se aproveitam de um determinado assunto que ganha as manchetes e começam a oferecer tratamentos sem nenhum fundamento. Talvez seja preciso reafirmar claramente que, com exceção dos transplantes de medula óssea, não há tratamento com células-tronco para reparar tecido, que seja amplamente reconhecido pela comunidade científica.

CONTINUA...

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto - Pioneirismo e inovação na TCT no Brasil


O Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP/USP) popularmente conhecido como "Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto", é uma autarquia, mantida pelo governo do estado de São Paulo, sendo vinculada à Secretaria de Estado da Saúde (Decreto Estadual n. 26.920, de 18/3/87)associada à Universidade de São Paulo - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Tem por missão desenvolver a assistência, o ensino e a pesquisa científica em estreita colaboração com as demais unidades ensino da Universidade de São Paulo na cidade de Ribeirão Preto, em particular com a Faculdade de Medicina.
Dr Júlio Voltarelli
O HCFMRP/USP iniciou suas atividades em 30 de julho de 1956, tendo por objetivo servir de hospital-escola aos alunos do curso médico da FMRP-USP. Nesse período, o hospital apresentou um expressivo crescimento com a construção e inauguração de novas instalações. Tal crescimento foi acompanhado pelo constante aprimoramento nos serviços médicos e científicos prestados. Em 1968, realizou o primeiro transplante de rim do Brasil, através da equipe chefiada pelo Prof. Dr. Antônio Carlos Pereira Martins. Em 1992, realiza, em suas instalações, transplante de medula óssea, operação sob o comando do Prof. Dr. Júlio Voltarelli. No ano de 1995, o HCFMRP/USP inaugurou sua nova Unidade de Transplante de Medula Óssea, bem como, o Centro de Cirurgia de Epilepsia, este considerado referência internacional na área. Em 2002, a equipe do Prof. Dr. Júlio Voltarelli, realizou o primeiro transplante de células-tronco para o tratamento do Lupus. Neste mesmo ano, uma equipe conjunta dos professores Júlio Voltarelli e Amilton Barreira realizou o primeiro transplante de células tronco do país para o tratamento da esclerose múltipla. Em 2004, Prof. Júlio Voltarelli, Dr. Carlos Eduardo Barra Couri e equipe realizaram o primeiro transplante de células tronco do mundo para o tratamento de diabetes Tipo 1. No ano seguinte, a mesma equipe realizou transplante de células tronco para o tratamento da Esclerose Lateral Amiotrófica, este o primeiro no Brasil.

FONTE: http://pt.wikipedia.org/wiki/Hospital_das_Cl%C3%ADnicas_de_Ribeir%C..

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Lygia, a reformadora celular



Nota do Jorge:
O texto abaixo é reprodução de uma matéria  que foi publicada em 02/10/2008 
(http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca), quando essa extraordinária cientista junto com sua equipe de trabalho colocou o Brasil na vanguarda das  pesquisas com células-tronco embrionárias.

A cientista que, pela primeira vez no Brasil, extraiu e multiplicou células-tronco embrionárias
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A geneticista Lygia da Veiga Pereira, de 41 anos, nunca gostou de falar difícil. De todos os cientistas brasileiros que trabalham com células-tronco talvez Lygia seja a mais didática. Essa habilidade a tornou conhecida além de seu laboratório, no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Nos últimos seis anos, ela participou dezenas de vezes de comitivas de pesquisadores que iam a Brasília explicar a autoridades por que o país precisava permitir os estudos com embriões. Quando Lygia começava a falar, a aridez acadêmica desaparecia. Nem o mais sonolento dos senadores ou dos ministros do Supremo Tribunal Federal resistia à clareza da professora. Olhavam fixamente para ela e, como alunos aplicados, saíam da sessão comentando o que haviam aprendido.
Na semana passada, Lygia deu uma nova mostra de que é mais do que uma competente divulgadora da ciência. Ao anunciar um importante feito científico, ela garantiu seu lugar entre as mais destacadas pesquisadoras do país. A equipe de Lygia foi a primeira a conseguir extrair e multiplicar células-tronco retiradas de embriões congelados em clínicas de fertilização de São Paulo. Há vários meses Lygia vinha divulgando resultados parciais. Só agora parece ter conseguido comprovar que a técnica deu certo. Não se sabe, porém, quando o trabalho será publicado em forma de artigo científico. Só então poderá ser questionado, contestado e, em última análise, validado pelos pares.
“Agora podemos incluir a bandeira do Brasil na lista de países com capacidade de produzir células-tronco embrionárias a partir da estaca zero”, diz Lygia. “Conquistamos independência e quem precisar dessas células para pesquisar não vai mais depender de linhagens importadas.” Lygia pretende produzir as linhagens em larga escala e fornecê-las a outros grupos de pesquisa brasileiros.
Filha de mãe socióloga e pai filósofo, Lygia passou a infância entre livros. Nascida no Rio de Janeiro, ela é neta de José Olympio, um dos maiores editores da cidade. Não se esquece do livro A Reforma da Natureza, de Monteiro Lobato. Nele, Emília acredita que a natureza está errada e quer mudar tudo a sua volta. Com a esperta bonequinha de pano, Lygia aprendeu que, na natureza, os sistemas são complexos. “Você mexe num ponto, pensa que só vai ter um efeito localizado, mas aí depara com uma conseqüência inesperada”, diz. 
linhagem de células-tronco embrionárias
O dia-a-dia de Lygia no laboratório lembra as estripulias da boneca que, ao reformar a natureza, inventou as frutas sem casca, as moscas sem asas e as vacas cujas tetas já vinham com torneiras para a ordenha. Em 2001, Lygia e outros pesquisadores da USP criaram os primeiros camundongos transgênicos do Brasil, num momento em que organismos geneticamente modificados eram vistos como criações demoníacas. Os bichos apresentavam mutação num gene relacionado a uma síndrome rara. Eles ajudaram os cientistas a entender melhor a doença.
Lygia se formou em Física pela PUC e fez doutorado em Genética Humana Molecular no Mount Sinai Medical Center, em Nova York. Na volta ao Brasil, mudou-se para São Paulo. “Troquei Ipanema pela Fapesp”, diz. É uma referência ao apoio financeiro que recebe da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Quando não está na USP, pode ser encontrada dando palestras, lançando livros de divulgação científica e até assessorando equipes de TV. Em 2002, foi consultora dos atores da novela O Clone, da Rede Globo. Foi Lygia quem preparou os slides que o médico Albieri – interpretado por Juca de Oliveira – usou para explicar a clonagem nas cenas da novela. Os bebês que apareciam nas fotos eram os sobrinhos dela – Lygia é casada e tem duas filhas.
O primeiro cientista a extrair células-tronco de embriões e multiplicá-las foi o americano James Thomson, da Universidade de Wisconsin, em 1998. Dez anos depois, Lygia fez o mesmo a partir de embriões gerados no Brasil. Os outros grupos brasileiros que trabalham com células-tronco embrionárias humanas usam linhagens importadas dos Estados Unidos. Quando um cientista consegue extrair as células-tronco dos embriões e multiplicá-las em laboratório sem que percam o potencial de se transformar em qualquer tecido, ele diz que conseguiu uma linhagem.
Esse processo não é trivial, e a eficiência do método ainda é baixa. O grupo de Lygia trabalhou com 250 embriões congelados havia mais de três anos, doados por casais que não pretendiam ter mais filhos. Desses embriões, apenas 35 chegaram ao estágio de desenvolvimento em que eles têm cerca de cem células (fase em que são chamados de blastocisto). O passo seguinte foi induzir a multiplicação dessas células com substâncias destinadas a mantê-las com suas características originais. Elas não podiam virar células especializadas. Em 34 dos embriões, o processo não deu certo. Apenas um gerou a tão comemorada primeira linhagem brasileira, composta de 1 bilhão de células-tronco embrionárias. A linhagem recebeu o nome de BR-1.
Lygia pôs as células-tronco num banho especial de hormônios e diz ter conseguido comprovar que elas viraram neurônios e músculos. Pode ser um bom sinal, mas os cientistas – de qualquer país – ainda estão longe de criar tratamentos a partir de células-tronco embrionárias. “Recebi e-mails de muitos pacientes animados com a notícia”, diz Mayana Zatz, do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP. “É preciso entender que essas células só servem para pesquisa.”
Nos últimos três anos, a equipe de Lygia trabalhou num clima de incerteza. As pesquisas com embriões – liberadas pela Lei de Biossegurança em 2005 – foram questionadas no Supremo Tribunal Federal. A decisão favorável saiu apenas em maio deste ano. Apesar da polêmica e da pressão dos grupos religiosos contrários, Lygia seguiu em frente e conseguiu o que queria. Ao contrário da boneca Emília – que tentou consertar na natureza aquilo que não precisava de conserto –, a descoberta de Lygia pode, agora, servir para entender a natureza das doenças e, um dia, encontrar sua cura.
O Brasil entrou para um grupo seleto
Os outros países capazes de obter e cultivar células-tronco embrionárias humanas
• Estados Unidos
• Canadá
• Reino Unido
• França
• Espanha
• Suíça
• Suécia
• Dinamarca
• Finlândia
• Holanda
• República Tcheca
• Israel
• China
• Coréia do Sul
• Japão
• Cingapura
• Austrália

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Dr Miguel Mitne fala sobre seu trabalho em ELA 8


"O primeiro passo para a obtenção dos neurônios motores foi a geração de células-tronco induzidas, na sigla em Inglês iPSC. Para tanto, após o cultivo in vitro (no laboratório), os fibroblastos de pacientes e de seus irmãos não afetados..."


Há alguns dias tivemos o Congresso Internacional de células-tronco (ISSCR- International Society for stem-cell research)  em Toronto, um evento que atrai um número cada vez maior de participantes. Dessa vez, foram mais de 3600 pessoas de 50 países e o Brasil estava muito bem representado. Trata-se de um congresso focado mais para a pesquisa básica, mas cujos resultados são fundamentais para aplicação em terapia celular:  “from bench to bedside” -  “da bancada para o leito” ou do laboratório para a clínica. Vou falar mais a respeito nas próximas colunas.
O Centro do Genoma da USP  levou nove trabalhos e após sair do Brasil ficamos sabendo que um deles do recém doutor Miguel Mitne-Neto, acaba de ser publicado na  revista Human Molecular Genetics: Downregulation of VAPB expression in motor neurons derived from induced pluripotent stem-cells of ALS8 patients”.

A pesquisa que é o resultado de muitos anos de trabalho do grupo do Centro do Genoma da USP começou com o mapeamento e identificação do gene que causa uma forma hereditária de esclerose lateral amiotrófica (ELA8 ou ALS8 em inglês) por minha aluna de doutorado, Agnes Nishimura,  que agora faz seu pós-doutorado no Reino Unido.  Mais recentemente tivemos a colaboração preciosa do Dr. Alysson Muotri, um brasileiro que dirige hoje o Muotri lab na Universidade da California, onde Miguel estagiou por 12 meses. A pesquisa traz resultados inovadores em relação a ELA8 que poderá abrir novas portas para o tratamento dessa doença devastadora. Para falar mais disso entrevistei o Dr. Miguel Mitne-Neto que é o primeiro autor dessa pesquisa.

O que é a ELA8 e porque apesar de ser muito mais comum no Brasil que em outros países essa forma hereditária despertou tanto o interesse internacional?
A ELA8 é uma doença que destrói os neurônios motores e que é causada por uma alteração na sequência de bases do gene VAPB. No Brasil, já foram confirmados mais de cem pacientes com esta forma da doença, além da identificação de casos na Alemanha, Japão e Grã-Bretanha.  Apesar de ter sido descrita numa forma hereditária relativamente comum em pacientes brasileiros,  a relação da VAPB com a ELA não está limitada aos casos de ELA8. Existem evidências da redução desta proteína em modelos animais e nas formas esporádicas, responsáveis por cerca de 90% dos casos. Por isso estudar essa proteína poderá trazer avanços para todas as formas de ELA.

Pessoas com mutação nesse gene podem ter uma doença agressiva e de rápida progressão, enquanto em outros ela tem  início tardio e progressão lenta. Por que é tão importante entender o mecanismo responsável por  essa variabilidade?
A variabilidade de quadro clínico na ELA8 é um dos fatores que mais chama a atenção na doença. Ainda são obscuros os motivos que levam à diferença de quadro clínico, mesmo entre irmãos que carregam exatamente a mesma mutação.  Desvendar as vias que promovem essa diferença na severidade da afecção isto é, por que algumas pessoas estão mais “protegidas”,  pode ser uma das chaves para novas propostas terapêuticas.

Você pode explicar em uma linguagem simples como a partir de células da pele (fibroblastos) de pacientes com ELA8 foi possível conseguir neurônios motores?
O primeiro passo para a obtenção dos neurônios motores foi a geração de células-tronco induzidas, na sigla em Inglês iPSC. Para tanto, após o cultivo in vitro (no laboratório), os fibroblastos de pacientes e de seus irmãos não afetados foram infectados com vetores que carregavam quatro fatores específicos, denominados fatores de Yamanaka. Assim como as células-tronco embrionárias, as iPSC podem ser diferenciadas em quaisquer dos tecidos do corpo, apresentando um enorme potencial de aplicação na pesquisa. As iPSC, tanto de pacientes quanto dos controles, foram induzidas a diferenciação neuronal durante 2 meses, pelo cultivo em diferentes meios de cultura. Desta forma, foi possível gerar um modelo in vitro para a doença, isto é, verificar o que acontecia nos neurônios motores “induzidos” derivados desses pacientes já que não é possível obtê-los diretamente.

Você observou a mesma redução da proteína VAP-B em neurônios motores e em fibroblastos dos pacientes afetados em comparação com seus parentes não portadores da mutação. Qual é a importância disso?
Surpreendentemente, descobrimos que a VAPB é encontrada desde os estágios iniciais do desenvolvimento. A redução desta proteína nas células com ELA8 sugere que quantidades específicas da proteína seriam essenciais para a manutenção e sobrevivência dos neurônios motores, especialmente após a quarta ou quinta década de vida. O fato de encontrarmos a mesma redução nos fibroblastos  sugere que essa proteína expressa-se também nessas células. Se isso for confirmado não teríamos que gerar  neurônios motores de pacientes- uma técnica muito laboriosa. Poderíamos estudar  diretamente os fibroblastos, que são muito mais fáceis de obter.

Qual seria a possível aplicação terapêutica desses resultados se forem confirmados para outros pacientes  e outros laboratórios?
Se comprovados que os níveis reduzidos de VAPB estão ligados a diversas formas da doença, seria possível lançar mão de abordagens terapêuticas para suprir a quantidade necessária da proteína. Seria um novo caminho a ser explorado e que pode ser muito promissor. Mas essa hipótese ainda precisa ser testada e diversos estudos são necessários antes de sugerir a expressão da VAPB em células específicas como uma metodologia para o combate à doença.

Você participou como aluno de iniciação científica da identificação do gene da ELA8, um trabalho publicado em 2004 por nosso grupo (que foi a tese de doutorado de Agnes Nishimura) e que teve grande impacto na comunidade científica internacional. Como você se sente sete anos depois, terminando agora seu doutorado com esse trabalho que poderá também trazer resultados relevantes para o futuro tratamento da ELA?
É extremamente gratificante ver os frutos de vários anos de trabalho.  Acompanhar como a ciência básica pode ajudar em futuros tratamentos tem um sabor muito especial. Desde o início tive a oportunidade de trabalhar com pesquisadores muito competentes e com pacientes muito colaborativos. Acredito que esta combinação tenha sido essencial para os resultados que conseguimos. Espero que nossas descobertas possam trazer novas frentes de combate a esta doença tão devastadora.
Por Mayana Zatz

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Terapia com células tronco no Brasil: é chegada a hora?

                                        
“Esse assunto deixou de ser uma discussão meramente acadêmica ou medico-científica e passa a ser uma questão humanitária. Afinal, que esperança pode ter hoje um paciente com ELA, se a própria literatura médica lhe dá um prognóstico de 2 a 5 anos de vida, e sabe-se lá de que maneira...”      
                                                                                                             Por Antonio Jorge de Melo  ( www.falandosobreela.blogspot.com - 01/05/11)
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Os pacientes brasileiros com Esclerose Lateral Amiotrófica e outras doenças do neurônio motor vivem hoje um grande dilema, pois os principais formadores de opinião do Brasil são unânimes em afirmar que ainda não chegou o momento da terapia com células tronco.  "Nós temos todas essas células aqui. Se achássemos que elas pudessem ajudar, seríamos os primeiros a oferecer o tratamento", afirma Mayana Zatz, do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP no Jornal da Ciência em sua edição de 10 de abril de 2011.  No mesmo artigo, o médico e secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde Reinaldo Guimarães afirma que "essas pessoas estão sendo 100% enganadas". Segundo ele, essas terapias não podem ser oferecidas no Brasil porque não há provas de que sejam eficientes ou seguras. Para isso, diz, ainda é preciso fazer muitos experimentos controlados em animais e seres humanos. "Não há dúvida de que as células-tronco têm grande potencial, mas o caminho para uma terapia é longo." Da mesma maneira, o médico Júlio Voltarelli, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, que pesquisa o potencial terapêutico das células-tronco, também condena as práticas chinesas. "Acredito, sim, que doenças como a esclerose lateral amiotrófica poderão um dia ser curadas com células-tronco, mas é algo que precisa ser testado", diz. "Não se pode vender isso como uma técnica comprovada."
Umas das principais alegações desses especialistas é que essas clínicas e hospitais chineses (são mais de 200 na China, segundo um levantamento recente feito por uma equipe canadense) “não seguem os protocolos básicos de pesquisa clínica nem publicam seus resultados em revistas científicas reconhecidas, simplesmente não há como saber. As clínicas não têm como provar que seus resultados são verdadeiros, e os críticos não têm como provar que eles são falsos. Fica tudo na boca dos pacientes - cujas experiências estão sujeitas a muitas subjetividades.”, afirma o artigo.
Indiferentes a todas essas alegações os pacientes que hoje tem o diagnóstico de ELA e outras DNM´s sabem muito bem que o tempo é um bem muito precioso, pois a doença tem um caráter progressivo e degenerativo, não havendo portanto nenhuma margem de negociação que permita ao doente aguardar pacientemente e despreocupado pelo “momento certo” de ser submetido a essa tão sonhada e esperada terapia experimental.
Diante de uma realidade cruel e sombria, os pacientes com ELA começam a questionar se, independente de quaisquer objeção sobejamente conhecida e discutida pelos pesquisadores, não valeria a pena tentar assumir certos riscos na esperança de se conseguir ao menos retardar o avanço da doença e o seu potencial destrutivo das funções motoras,  cujas conseqüências são avassaladoras para o paciente.
Esse assunto deixou de ser uma discussão meramente acadêmica ou medico-científica e passa a ser uma questão humanitária. Afinal, que esperança pode ter hoje um paciente com ELA, se a própria literatura médica lhe dá um prognóstico de 2 a 5 anos de vida, e sabe-se lá de que maneira, pois a medida que a doença evolui, o paciente vai perdendo paulatinamente toda a sua função motora, lhe restando ficar em cima de uma cama, e sendo necessário o auxílio de cuidadores para realizar as funções mais corriqueiras, como coçar a ponta do nariz, ou se alimentar.
Ainda há de se refletir se os métodos utilizados na China podem
realmente ser considerados impróprios ou inadequados simplesmente pelo fato deles não estarem submetidos aos critérios do FDA. Não queremos aqui fazer qualquer juízo de valor ou lançar dúvidas sobre a idoneidade do FDA, mas deve-se ter certos cuidados quando alguma entidade, líder ou nação assume a postura de absoluta “dona da verdade”, ignorando fatos que estão acontecendo no resto do mundo. A história é nossa testemunha das desastrosas conseqüências causadas por líderes, ideologias e ações totalitárias no mundo no curso de sua história.
Uma outra questão é bastante emblemática. Os interesses político-econômicos não devem ser desconsiderados.  Em um passado recente EUA e Rússia disputaram a hegemonia pela conquista da lua: venceu os EUA. Hoje a China desponta como uma nação que tem grandes chances de se tornar a primeira potência econômica mundial. Será que isso não estaria contrariando interesses, a China se tornar uma referência mundial no domínio da terapia com células tronco? São muitas as dúvidas, e poucas são as respostas concretas nesse campo ainda tão novo e cheio de surpresas para a pesquisa clínica.
Uma questão dessa magnitude que envolve o direito a vida, deveria ser priorizada em detrimento de interesses sócio-econômicos, políticos e seja lá mais o que for. Acredito que os políticos brasileiros da área de saúde, os Centros de Pesquisa, empresas de Biotecnologia e Entidades que reúnem os portadores da ELA e demais DNM´s deveriam sim,  sentar e discutir os benefícios e riscos de uma terapia com células tronco no momento atual. Ficar negando um fato que já é realidade em outros países é muito difícil para o entendimento do público leigo, e muito mais difícil para quem espera por um “milagre” da medicina, para quem simplesmente quer ter assegurado o seu direito a vida.
 Aqui no Brasil começam a pipocar relatos de brasileiros que foram submetidos a terapia com células tronco na China e Alemanha. É preciso ouvir essas pessoas que lá estiveram. Será que esses pacientes ficaram a mercê de profissionais desqualificados e inescrupulosos, verdadeiros curandeiros, ou foram atendidos por profissionais especializados  e inovadores, mas que vivem uma realidade diferente da Medicina Ocidental, e por isso estão sendo taxados de mercenários e exploradores da boa fé do paciente?
Mas do que fazer afirmações absolutas e sem margem para reflexões, o que vale mesmo nesse momento é esgotar o assunto através do diálogo, do entendimento e da troca de idéias. Sem sombra de dúvidas essa seria uma maneira inteligente e civilizada de se tentar chegar a um ponto de entendimento entre as mais diversas partes interessadas por essa complexa e ainda controversa questão chamada terapia com células tronco.