sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Dr Miguel Mitne fala sobre seu trabalho em ELA 8


"O primeiro passo para a obtenção dos neurônios motores foi a geração de células-tronco induzidas, na sigla em Inglês iPSC. Para tanto, após o cultivo in vitro (no laboratório), os fibroblastos de pacientes e de seus irmãos não afetados..."


Há alguns dias tivemos o Congresso Internacional de células-tronco (ISSCR- International Society for stem-cell research)  em Toronto, um evento que atrai um número cada vez maior de participantes. Dessa vez, foram mais de 3600 pessoas de 50 países e o Brasil estava muito bem representado. Trata-se de um congresso focado mais para a pesquisa básica, mas cujos resultados são fundamentais para aplicação em terapia celular:  “from bench to bedside” -  “da bancada para o leito” ou do laboratório para a clínica. Vou falar mais a respeito nas próximas colunas.
O Centro do Genoma da USP  levou nove trabalhos e após sair do Brasil ficamos sabendo que um deles do recém doutor Miguel Mitne-Neto, acaba de ser publicado na  revista Human Molecular Genetics: Downregulation of VAPB expression in motor neurons derived from induced pluripotent stem-cells of ALS8 patients”.

A pesquisa que é o resultado de muitos anos de trabalho do grupo do Centro do Genoma da USP começou com o mapeamento e identificação do gene que causa uma forma hereditária de esclerose lateral amiotrófica (ELA8 ou ALS8 em inglês) por minha aluna de doutorado, Agnes Nishimura,  que agora faz seu pós-doutorado no Reino Unido.  Mais recentemente tivemos a colaboração preciosa do Dr. Alysson Muotri, um brasileiro que dirige hoje o Muotri lab na Universidade da California, onde Miguel estagiou por 12 meses. A pesquisa traz resultados inovadores em relação a ELA8 que poderá abrir novas portas para o tratamento dessa doença devastadora. Para falar mais disso entrevistei o Dr. Miguel Mitne-Neto que é o primeiro autor dessa pesquisa.

O que é a ELA8 e porque apesar de ser muito mais comum no Brasil que em outros países essa forma hereditária despertou tanto o interesse internacional?
A ELA8 é uma doença que destrói os neurônios motores e que é causada por uma alteração na sequência de bases do gene VAPB. No Brasil, já foram confirmados mais de cem pacientes com esta forma da doença, além da identificação de casos na Alemanha, Japão e Grã-Bretanha.  Apesar de ter sido descrita numa forma hereditária relativamente comum em pacientes brasileiros,  a relação da VAPB com a ELA não está limitada aos casos de ELA8. Existem evidências da redução desta proteína em modelos animais e nas formas esporádicas, responsáveis por cerca de 90% dos casos. Por isso estudar essa proteína poderá trazer avanços para todas as formas de ELA.

Pessoas com mutação nesse gene podem ter uma doença agressiva e de rápida progressão, enquanto em outros ela tem  início tardio e progressão lenta. Por que é tão importante entender o mecanismo responsável por  essa variabilidade?
A variabilidade de quadro clínico na ELA8 é um dos fatores que mais chama a atenção na doença. Ainda são obscuros os motivos que levam à diferença de quadro clínico, mesmo entre irmãos que carregam exatamente a mesma mutação.  Desvendar as vias que promovem essa diferença na severidade da afecção isto é, por que algumas pessoas estão mais “protegidas”,  pode ser uma das chaves para novas propostas terapêuticas.

Você pode explicar em uma linguagem simples como a partir de células da pele (fibroblastos) de pacientes com ELA8 foi possível conseguir neurônios motores?
O primeiro passo para a obtenção dos neurônios motores foi a geração de células-tronco induzidas, na sigla em Inglês iPSC. Para tanto, após o cultivo in vitro (no laboratório), os fibroblastos de pacientes e de seus irmãos não afetados foram infectados com vetores que carregavam quatro fatores específicos, denominados fatores de Yamanaka. Assim como as células-tronco embrionárias, as iPSC podem ser diferenciadas em quaisquer dos tecidos do corpo, apresentando um enorme potencial de aplicação na pesquisa. As iPSC, tanto de pacientes quanto dos controles, foram induzidas a diferenciação neuronal durante 2 meses, pelo cultivo em diferentes meios de cultura. Desta forma, foi possível gerar um modelo in vitro para a doença, isto é, verificar o que acontecia nos neurônios motores “induzidos” derivados desses pacientes já que não é possível obtê-los diretamente.

Você observou a mesma redução da proteína VAP-B em neurônios motores e em fibroblastos dos pacientes afetados em comparação com seus parentes não portadores da mutação. Qual é a importância disso?
Surpreendentemente, descobrimos que a VAPB é encontrada desde os estágios iniciais do desenvolvimento. A redução desta proteína nas células com ELA8 sugere que quantidades específicas da proteína seriam essenciais para a manutenção e sobrevivência dos neurônios motores, especialmente após a quarta ou quinta década de vida. O fato de encontrarmos a mesma redução nos fibroblastos  sugere que essa proteína expressa-se também nessas células. Se isso for confirmado não teríamos que gerar  neurônios motores de pacientes- uma técnica muito laboriosa. Poderíamos estudar  diretamente os fibroblastos, que são muito mais fáceis de obter.

Qual seria a possível aplicação terapêutica desses resultados se forem confirmados para outros pacientes  e outros laboratórios?
Se comprovados que os níveis reduzidos de VAPB estão ligados a diversas formas da doença, seria possível lançar mão de abordagens terapêuticas para suprir a quantidade necessária da proteína. Seria um novo caminho a ser explorado e que pode ser muito promissor. Mas essa hipótese ainda precisa ser testada e diversos estudos são necessários antes de sugerir a expressão da VAPB em células específicas como uma metodologia para o combate à doença.

Você participou como aluno de iniciação científica da identificação do gene da ELA8, um trabalho publicado em 2004 por nosso grupo (que foi a tese de doutorado de Agnes Nishimura) e que teve grande impacto na comunidade científica internacional. Como você se sente sete anos depois, terminando agora seu doutorado com esse trabalho que poderá também trazer resultados relevantes para o futuro tratamento da ELA?
É extremamente gratificante ver os frutos de vários anos de trabalho.  Acompanhar como a ciência básica pode ajudar em futuros tratamentos tem um sabor muito especial. Desde o início tive a oportunidade de trabalhar com pesquisadores muito competentes e com pacientes muito colaborativos. Acredito que esta combinação tenha sido essencial para os resultados que conseguimos. Espero que nossas descobertas possam trazer novas frentes de combate a esta doença tão devastadora.
Por Mayana Zatz

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