segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Lygia, a reformadora celular



Nota do Jorge:
O texto abaixo é reprodução de uma matéria  que foi publicada em 02/10/2008 
(http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca), quando essa extraordinária cientista junto com sua equipe de trabalho colocou o Brasil na vanguarda das  pesquisas com células-tronco embrionárias.

A cientista que, pela primeira vez no Brasil, extraiu e multiplicou células-tronco embrionárias
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A geneticista Lygia da Veiga Pereira, de 41 anos, nunca gostou de falar difícil. De todos os cientistas brasileiros que trabalham com células-tronco talvez Lygia seja a mais didática. Essa habilidade a tornou conhecida além de seu laboratório, no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Nos últimos seis anos, ela participou dezenas de vezes de comitivas de pesquisadores que iam a Brasília explicar a autoridades por que o país precisava permitir os estudos com embriões. Quando Lygia começava a falar, a aridez acadêmica desaparecia. Nem o mais sonolento dos senadores ou dos ministros do Supremo Tribunal Federal resistia à clareza da professora. Olhavam fixamente para ela e, como alunos aplicados, saíam da sessão comentando o que haviam aprendido.
Na semana passada, Lygia deu uma nova mostra de que é mais do que uma competente divulgadora da ciência. Ao anunciar um importante feito científico, ela garantiu seu lugar entre as mais destacadas pesquisadoras do país. A equipe de Lygia foi a primeira a conseguir extrair e multiplicar células-tronco retiradas de embriões congelados em clínicas de fertilização de São Paulo. Há vários meses Lygia vinha divulgando resultados parciais. Só agora parece ter conseguido comprovar que a técnica deu certo. Não se sabe, porém, quando o trabalho será publicado em forma de artigo científico. Só então poderá ser questionado, contestado e, em última análise, validado pelos pares.
“Agora podemos incluir a bandeira do Brasil na lista de países com capacidade de produzir células-tronco embrionárias a partir da estaca zero”, diz Lygia. “Conquistamos independência e quem precisar dessas células para pesquisar não vai mais depender de linhagens importadas.” Lygia pretende produzir as linhagens em larga escala e fornecê-las a outros grupos de pesquisa brasileiros.
Filha de mãe socióloga e pai filósofo, Lygia passou a infância entre livros. Nascida no Rio de Janeiro, ela é neta de José Olympio, um dos maiores editores da cidade. Não se esquece do livro A Reforma da Natureza, de Monteiro Lobato. Nele, Emília acredita que a natureza está errada e quer mudar tudo a sua volta. Com a esperta bonequinha de pano, Lygia aprendeu que, na natureza, os sistemas são complexos. “Você mexe num ponto, pensa que só vai ter um efeito localizado, mas aí depara com uma conseqüência inesperada”, diz. 
linhagem de células-tronco embrionárias
O dia-a-dia de Lygia no laboratório lembra as estripulias da boneca que, ao reformar a natureza, inventou as frutas sem casca, as moscas sem asas e as vacas cujas tetas já vinham com torneiras para a ordenha. Em 2001, Lygia e outros pesquisadores da USP criaram os primeiros camundongos transgênicos do Brasil, num momento em que organismos geneticamente modificados eram vistos como criações demoníacas. Os bichos apresentavam mutação num gene relacionado a uma síndrome rara. Eles ajudaram os cientistas a entender melhor a doença.
Lygia se formou em Física pela PUC e fez doutorado em Genética Humana Molecular no Mount Sinai Medical Center, em Nova York. Na volta ao Brasil, mudou-se para São Paulo. “Troquei Ipanema pela Fapesp”, diz. É uma referência ao apoio financeiro que recebe da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Quando não está na USP, pode ser encontrada dando palestras, lançando livros de divulgação científica e até assessorando equipes de TV. Em 2002, foi consultora dos atores da novela O Clone, da Rede Globo. Foi Lygia quem preparou os slides que o médico Albieri – interpretado por Juca de Oliveira – usou para explicar a clonagem nas cenas da novela. Os bebês que apareciam nas fotos eram os sobrinhos dela – Lygia é casada e tem duas filhas.
O primeiro cientista a extrair células-tronco de embriões e multiplicá-las foi o americano James Thomson, da Universidade de Wisconsin, em 1998. Dez anos depois, Lygia fez o mesmo a partir de embriões gerados no Brasil. Os outros grupos brasileiros que trabalham com células-tronco embrionárias humanas usam linhagens importadas dos Estados Unidos. Quando um cientista consegue extrair as células-tronco dos embriões e multiplicá-las em laboratório sem que percam o potencial de se transformar em qualquer tecido, ele diz que conseguiu uma linhagem.
Esse processo não é trivial, e a eficiência do método ainda é baixa. O grupo de Lygia trabalhou com 250 embriões congelados havia mais de três anos, doados por casais que não pretendiam ter mais filhos. Desses embriões, apenas 35 chegaram ao estágio de desenvolvimento em que eles têm cerca de cem células (fase em que são chamados de blastocisto). O passo seguinte foi induzir a multiplicação dessas células com substâncias destinadas a mantê-las com suas características originais. Elas não podiam virar células especializadas. Em 34 dos embriões, o processo não deu certo. Apenas um gerou a tão comemorada primeira linhagem brasileira, composta de 1 bilhão de células-tronco embrionárias. A linhagem recebeu o nome de BR-1.
Lygia pôs as células-tronco num banho especial de hormônios e diz ter conseguido comprovar que elas viraram neurônios e músculos. Pode ser um bom sinal, mas os cientistas – de qualquer país – ainda estão longe de criar tratamentos a partir de células-tronco embrionárias. “Recebi e-mails de muitos pacientes animados com a notícia”, diz Mayana Zatz, do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP. “É preciso entender que essas células só servem para pesquisa.”
Nos últimos três anos, a equipe de Lygia trabalhou num clima de incerteza. As pesquisas com embriões – liberadas pela Lei de Biossegurança em 2005 – foram questionadas no Supremo Tribunal Federal. A decisão favorável saiu apenas em maio deste ano. Apesar da polêmica e da pressão dos grupos religiosos contrários, Lygia seguiu em frente e conseguiu o que queria. Ao contrário da boneca Emília – que tentou consertar na natureza aquilo que não precisava de conserto –, a descoberta de Lygia pode, agora, servir para entender a natureza das doenças e, um dia, encontrar sua cura.
O Brasil entrou para um grupo seleto
Os outros países capazes de obter e cultivar células-tronco embrionárias humanas
• Estados Unidos
• Canadá
• Reino Unido
• França
• Espanha
• Suíça
• Suécia
• Dinamarca
• Finlândia
• Holanda
• República Tcheca
• Israel
• China
• Coréia do Sul
• Japão
• Cingapura
• Austrália

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