sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Aconteceu em 2005: Desenganado, banqueiro paga cirurgia experimental com células-tronco (Parte II)




Continuação...

Médicos planejam testes em dez pessoas

Há um ano e meio pesquisadores do Hospital Israelita Albert Einstein, da USP de Ribeirão Preto e da Unifesp estudam formas de tratar a ELA. O objetivo da pesquisa é realizar, em caráter experimental, o transplante de medula em dez pacientes com a doença ainda em fase inicial. Por se tratar de algo que ainda não tem comprovação científica da eficácia e segurança, os pesquisadores dependem de autorização do Ministério da Saúde.
O hematologista do Albert Einstein Nelson Hamerschlak, um dos integrantes da pesquisa, disse que o primeiro relatório sobre a possibilidade de realização da cirurgia de células-tronco nesses pacientes já está sob análise do comitê de ética do hospital. Essa avaliação pode demorar até 60 dias. Só depois de receber essa aprovação é que o pedido poderá ser encaminhado para o Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, do Ministério da Saúde.

O pedido de aprovação da pesquisa no Conep também pode levar alguns meses. O órgão tem 60 dias para se manifestar, mas pode pedir prorrogação do prazo se considerar que a pesquisa ainda precisa de mais dados. Caso o pedido de pesquisa seja aprovado pelo órgão, os hospitais estarão autorizados a realizar a primeira fase do transplante experimental em dez pacientes: cinco de São Paulo e cinco de Ribeirão Preto. A seleção dessas pessoas ficará sob responsabilidade da Abrela (Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica).
Hamerschlak acrescentou que, se ficar comprovada a eficácia do transplante nesses dez pacientes com doenças neurológicas, outros 50 serão chamados para a segunda fase do estudo. A mesma técnica experimental está aprovada há cerca de um ano nos Estados Unidos. A Baylor University, em Houston, já realizou pelo menos sete transplantes de células-tronco em pacientes com doenças neurológicas. A única diferença, segundo Hamerschlak, é que eles fizeram o transplante com células-tronco alogênicas (com doador). Alguns pacientes morreram, mas ainda não há conclusões. Outro grupo de pesquisadores, de Chicago, também está trabalhando para conseguir aprovar a pesquisa na mesma linha.

O banqueiro e o professor Isaac Miguel do Nascimento (paciente de Ribeirão), que participaram do transplante experimental, não serão considerados integrantes da pesquisa porque ela não está aprovada pelos comitês de ética. Hamerschlak acrescenta, no entanto, que o banqueiro foi informado sobre o andamento do protocolo de pesquisa. "Ele soube, inclusive, dos riscos do tratamento, uma vez que o mesmo inclui quimioterapia de altas doses, possibilitando infecções e com risco de morte", diz. Ainda segundo Hamerschlak, o paciente também soube que o projeto da pesquisa ainda estava em andamento e, por isso, não seria possível afirmar se o transplante trará benefícios reais. "A principal dúvida que existe em realizar transplante de células-tronco para doenças neurológicas é saber se essas células têm capacidade de migrar para outras regiões do corpo, como nervos, músculos e neurônios", destacou.

O neurologista Acary Souza Bulle Oliveira diz ainda que um insucesso nessa cirurgia poderá paralisar todos os processos de estudo sobre a doença. "A ciência é muito complicada. Essa situação é muito espinhosa porque partimos de suposições." Hamerschlak concorda, mas faz uma ressalva: "Eu não estaria trabalhando nesse projeto há um ano e meio se não acreditasse nos resultados. Mas tenho de provar que o transplante é eficiente. O nosso protocolo ainda está em análise. Pode ser que não seja aprovado. Não quero criar ilusões nos outros pacientes."


Pesquisa com humanos exige aval de conselho


O primeiro critério para aprovação de uma pesquisa experimental com seres humanos é avaliar se já existem evidências científicas da eficácia e segurança suficiente para as pessoas envolvidas, já que existe a possibilidade de riscos. A afirmação é da secretária-executiva do Conselho Nacional de Ética em Pesquisas, órgão ligado ao Ministério da Saúde, Corina Bontempo de Freitas. "É necessário avaliar os riscos, os benefícios e os resultados", afirma Corina. Segundo ela, o conselho ainda não recebeu nenhum pedido de análise para autorizar as pesquisas envolvendo transplantes de células-tronco em pacientes com ELA (esclerose lateral amiotrófica), doença que atacou o banqueiro paulista que entrou na Justiça para realizar a operação. "Não sabíamos nem da decisão judicial. Espero que esse seja um caso excepcional porque os hospitais não podem continuar fazendo esse procedimento sem passar pela nossa análise. Esse tipo de experiência ainda depende de nossa aprovação", alertou Corina.

Esclerose múltipla

Ainda segundo Corina, já existem pedidos de pesquisa aprovados para realização de transplante de células-tronco autólogas para tratamento de esclerose múltipla, e não da esclerose amiotrófica. Depois que um pedido de avaliação dá entrada no conselho, o órgão tem 60 dias para emitir um parecer. Há casos em que o prazo pode se estender porque os conselheiros entendem que são necessários alguns ajustes ou solicitam consultorias com outros especialistas da área envolvida no processo. Existem cerca de 450 comitês de ética em pesquisa espalhados pelo Brasil -funcionam em hospitais e universidades. Todo projeto que envolve pesquisa com seres humanos precisa passar por avaliação nos comitês locais e, em casos especiais, como novos procedimentos e tratamentos de saúde, é necessário que eles passem pela análise e sejam aprovados pelo Conep. (Fernanda Bassette) 

(Folha de SP, 18/9)


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