quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Aconteceu em 2005: Desenganado, banqueiro paga cirurgia experimental com células-tronco (Parte I)


Desenganado, banqueiro paga cirurgia experimental com células-tronco

Fernanda Bassette escreve para a ‘Folha de SP’:

Aos 53 anos, portador de uma doença incurável e que lhe dá uma expectativa de vida de apenas mais três anos, um banqueiro paulista decidiu se submeter a um transplante experimental de células-tronco autólogas (retiradas dele mesmo). E também vai pagar pelo procedimento.

A única cirurgia do gênero no país foi realizada em janeiro deste ano em Ribeirão Preto (314 km de SP), mas não houve tempo de avaliar a eficácia do transplante porque o paciente morreu três meses depois. O hospital diz que a morte foi decorrente de outros problemas de saúde.

O banqueiro, que pediu para ter o nome preservado, sofre de esclerose lateral amiotrófica, uma doença neurológica, degenerativa, progressiva e até hoje letal em todos os casos conhecidos.

A esclerose, conhecida como ELA, ataca os neurônios responsáveis pela conexão com as fibras musculares -como conseqüência, provoca atrofia contínua dos músculos. Aos poucos, o doente vai perdendo todos os movimentos e pára de respirar. Não há tratamento específico, e os pesquisadores ainda não sabem a origem da doença. A expectativa de vida a partir do diagnóstico -que pode demorar até um ano- é de três anos e meio.

O banqueiro descobriu a doença há nove meses. Desde então, segundo o neurologista da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Acary Souza Bulle Oliveira, ele já perdeu os movimentos da mão direita, apresenta episódios freqüentes de engasgo e está com a respiração mais curta. A mão esquerda começou a perder a motricidade e, às vezes, ele precisa de cadeira de rodas para se movimentar.

O transplante para a doença ainda não é reconhecido pelo Conep (Comitê Nacional de Ética em Pesquisas), vinculado ao Ministério da Saúde. Também não existem protocolos de estudo aprovados para isso. Assim, nenhum hospital está autorizado a fazer a cirurgia.

Diante da situação burocrática e da rápida evolução da doença, o paciente procurou respaldo na Justiça para conseguir autorização para que o Hospital Israelita Albert Einstein, de SP, realizasse o transplante. Isso porque um grupo de pesquisadores do Einstein, em parceria com a USP de Ribeirão Preto e com a Unifesp elaboram, há um ano e meio, um protocolo de pesquisa para conseguir autorização para realização desse transplante em caráter experimental.

A liminar foi concedida pela Justiça Federal em 9 de setembro e é inédita nesse tipo caso. O hematologista Nelson Hamerschlak, que será o responsável pelo transplante, confirmou que o hospital foi notificado da decisão judicial na quarta-feira e que o paciente foi internado na quinta-feira para iniciar o pré-operatório. "O transplante é a única esperança dele para tentar retardar o avanço da doença. Não tínhamos tempo para esperar burocracias", diz o advogado Raul Peris, autor da ação.

O neurologista Oliveira acrescenta que, apesar de ainda não existir comprovação científica da eficácia do transplante de células-tronco para esse tipo de doença, o procedimento, em tese, melhora um pouco a evolução da doença. "Um dia a mais de vida para essas pessoas não é como um dia a mais para as outras pessoas. Sempre estou a favor do paciente e sei que há pontos positivos e negativos. Ele [o banqueiro] sabe de todos os riscos", afirmou Oliveira.

A geneticista da USP Mayana Zatz também reforça que não há evidências de que o transplante de células-tronco seja eficiente. "A doença é grave e letal em todos os casos. Apesar disso, ainda não sabemos se o transplante é a melhor alternativa", afirma.

Promotoria quer barrar cirurgia particular

Uma ação do Ministério Público quer que o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP), ligado à USP, não realize cirurgias particulares de células-tronco enquanto houver pacientes na fila do SUS (Sistema Único de Saúde). Com a ação, a Promotoria quer que o hospital faça primeiro o serviço público, função apontada como primordial do hospital, antes de começar a "vender" seu serviço. "Queremos evitar que, eventualmente, [pesquisadores] usem indevidamente pesquisas financiadas pelo Estado e a estrutura do hospital público para procedimentos particulares", afirmou o promotor da Cidadania de Ribeirão, Sebastião Sérgio da Silveira. De acordo com ele, a intenção não é evitar que o HC faça cirurgias e deixe de desenvolver a ciência, mas fazer com que os equipamentos do Estado sejam utilizados da melhor forma. "O receio é que o tratamento com células-tronco, que é novo e recebe pedidos de todo o país de pessoas em busca de cura para os problemas, privilegie os ricos em detrimento dos pobres, que pagam imposto e têm o direito de usar o sistema. Não pode ocorrer privilégio para quem quer que seja", disse.

Após a divulgação do primeiro transplante de medula óssea com células-tronco feito no HC, em janeiro, o hospital recebeu, nas duas semanas seguintes, cerca de 300 telefonemas de vítimas de esclerose lateral amiotrófica de todo o Brasil interessados em fazer a operação. Cada transplante custa em média R$ 50 mil.

A ação do Ministério Público não engloba a Clínica Civil, que é vinculada a uma fundação do HC, a Faepa (Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência), e cobra por procedimentos. "Não temos objeção sobre a clínica particular nos termos da lei. Lá tudo bem, mas no HC, não."

Na semana passada, a Justiça indeferiu a liminar pedida na ação, mas a Promotoria recorreu -o processo segue tramitando à espera do julgamento do mérito.

Júlio César Voltarelli, responsável pelas pesquisas no HC, afirmou que somente uma cirurgia foi feita por convênio médico em Ribeirão. "Estamos tentando ver se o SUS pode pagar, o que seria importante", afirmou. (Marcelo Toledo)


Continua...

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