sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Transdiferenciação: como fazer um neurônio?


 Um grupo de pesquisadores da Califórnia conseguiu induzir fibroblastos (células que originam a pele) a se diferenciar diretamente em neurônios sem ter que passar por todo o processo de reprogramação.
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Uma das grandes limitações das células-tronco adultas é a sua incapacidade de formar neurônios. Elas conseguem se diferenciar em células musculares, adiposas, ósseas, cartilagens e até células nervosas com aspecto de neurônios mas que infelizmente não são funcionais. Não transmitem o impulso elétrico. Esse foi um dos principais motivos que nos levou a lutar para ter a permissão de poder pesquisar as células-tronco embrionárias (CTE), pois elas, sim, conseguem formar todos os tecidos inclusive neurônios. Quando surgiram as células IPS (induced pluripotent stem cells) muitos acharam que o problema estava resolvido. Bastava reprogramá-las para que voltassem ao estágio comparável ao das CTE e então elas poderiam formar neurônios funcionais. Entretanto, artigos mais recentes vem mostrando vários problemas com as células reprogramadas IPS.
Como contorná-los?
É o que mostra um artigo recente publicado na revista Nature (maio de 2011). Um grupo de pesquisadores da Califórnia conseguiu induzir fibroblastos (células que originam a pele) a se diferenciar diretamente em neurônios sem ter que passar por todo o processo de reprogramação.
O processo chama-se transdiferenciação
Como a própria palavra diz, trata-se de transformar um tipo celular em outro sem ter que voltar ao estágio de CTE pluripotente – com o potencial de formar todos os tecidos. Trabalhos recentes mostraram que fibroblastos são capazes de se diferenciar em células cardíacas, sanguíneas e hepáticas. Mas ainda não haviam conseguido neurônios funcionais. No ano passado um grupo de pesquisadores, liderados pelo Dr. Marius Wernig, conseguiram isso, pela primeira vez, em camundongos: transformar fibroblastos em células nervosas capazes de transmitir impulsos elétricos. Ficaram entusiasmados com os resultados e resolveram tentar repetir esse feito com células humanas.
Como foram feitos os experimentos com células humanas?
Os primeiros experimentos foram feitos com fibroblastos obtidos de linhagens fetais. Depois de várias tentativas e erros, eles verificaram que a combinação de quatro fatores – quando introduzidos nas culturas de fibroblastos através de um vírus específico ( lentivirus) fizeram que eles se diferenciassem em neurônios funcionais – repito, capazes de transmitir impulsos elétricos. Além disso, vários deles foram capazes de formar sinapses – conexões entre os vários neurônios. O próximo passo foi verificar se eles conseguiam os mesmos resultados com fibroblastos obtidos de recém-nascidos. Para isso repetiram o experimento com células obtidas do prepúcio ( coletadas durante a circuncisão). Os resultados foram muito semelhantes, o que é uma excelente notícia.
Quais são os próximos passos?
Esses células “transdiferenciadas” aparentemente teriam menos chance de formar tumores o que é uma vantagem. Mas, de acordo com o Dr. Wernig, a eficiencia é ainda baixa. Somente 2 a 4% dos fibroblastos se diferenciaram em neuronios, bem abaixo do que a equipe deles tinha observado com células de camundongos ( cerca de 8%). Além disso, os neurônios parecem ser relativamente imaturos e talvez eles não reproduzam o que ocorre em células nervosas de pessoas com doenças neurológicas de início tardio como a doença de Parkinson ou Alzheimer. Só saberemos quando compararmos essa tecnologia com neurônios formados a partir de células embrionárias e células IPS.
De qualquer modo, se esse procedimento for confirmado por outros grupos será mais um passo para facilitar a compreensão e futuro tratamento de muitas doenças neurológicas e neuromusculares ou patologias que dependem da regeneração de neurônios. Vale a pena investir nessa tecnologia.

          Por Mayana Zatz
          Geneticista - USP
 




Neurônio produzido in vitro não funciona















Células derivadas da medula óssea são incapazes de transmitir impulso.
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 "Parece neurônio, mas não é." Essa, talvez, seja a melhor maneira de resumir o resultado de uma pesquisa brasileira publicada na revista PLoS One. Os cientistas analisaram a funcionalidade de células neurais geradas pela diferenciação de células-tronco da medula óssea de ratos e descobriram que, apesar de se parecerem muito com neurônios - e serem tratadas como tal -, elas não são células funcionais. Por exemplo, são incapazes de transmitir sinais elétricos, uma característica básica de qualquer neurônio. "Elas têm cara de neurônio, têm cheiro de neurônio, mas certamente não são neurônios", diz o pesquisador Luiz Eugênio Mello, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Os resultados, segundo ele, têm implicações importantes sobre o potencial terapêutico das células-tronco em geral.
 A pesquisa foi feita com células-tronco mesenquimais, um tipo presente na medula óssea que dá origem a ossos e cartilagem. Vários estudos publicados nos últimos anos sugerem que essas células podem também se transformar em neurônios, se expostas a certos fatores químicos in vitro.
De fato, à primeira vista, as células assumem uma morfologia muito parecida com a de neurônios e até expressam proteínas típicas de células neuronais. Isso não significa, porém, que sejam capazes de funcionar como neurônios.
A equipe brasileira resolveu tirar a prova com células-tronco mesenquimais da medula óssea de ratos. Utilizando um protocolo padrão de diferenciação desenvolvido em 2000 e adotado por vários laboratórios no mundo, os cientistas produziram "neurônios" de células mesenquimais e testaram sua funcionalidade, comparando-as a neurônios "de verdade". A principal falha detectada foi a incapacidade de produzir potenciais de ação - nome dado aos impulsos elétricos pelos quais os neurônios transmitem informações. "Uma célula que não produz potenciais de ação não pode funcionar como um neurônio", afirma Mello. Segundo ele, as substâncias químicas usadas para induzir a diferenciação in vitro danificam as células. Cerca de 50% delas morrem após 24 horas de cultivo. "Não é que não seja possível produzir neurônios de células mesenquimais, mas é preciso um cuidado maior na hora de interpretar os resultados", diz a biomédica Gabriela Barnabé, do Laboratório de Neurofisiologia da Unifesp.
 Implicações
Apesar de ter sido feito só com células de rato, é muito provável que os resultados do estudo se apliquem também às células-tronco mesenquimais humanas, já que os protocolos de diferenciação são bastante semelhantes, segundo a pesquisadora Rosália Mendez-Otero, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Isso não significa, porém, que elas não tenham utilidade clínica. "As células-tronco mesenquimais certamente têm um potencial terapêutico importante, mas não é porque viram neurônios", afirma Rosália, que também assina o estudo na PLoS One. Segundo ela, os efeitos terapêuticos observados em vários estudos com animais e seres humanos devem-se, mais provavelmente, a um efeito de modulação do processo inflamatório.
Os "neurônios" obtidos das células mesenquimais estariam atuando como "enfermeiras" celulares, secretando moléculas que combatem a inflamação e ajudando o tecido danificado a se recuperar. Fazer essa diferenciação é crucial, explica Rosália, para saber em que casos as células-tronco mesenquimais podem ser úteis ou não.
 No caso de um acidente vascular cerebral (AVC, ou derrame), elas seriam úteis apenas na fase aguda da lesão, para combater a inflamação, mas não na fase crônica, já que não têm a capacidade de formar novos neurônios. "O racional da terapia muda", conclui a cientista.

Fonte: Jornal da Ciência

Células-tronco reprogramadas são rejeitadas


y.
Depois da pesquisa sobre células adultas – como as da pele (fibroblastos) – que podem ser retiradas e  reprogramadas para se comportarem como células-tronco embrionárias, surgem novos estudos mostrando obstáculos ao seu uso na terapia celular. Primeiro foram trabalhos mostrando que elas guardam “memória” de onde foram retiradas. Agora uma nova pesquisa  realizada em camundongos, publicada na revista Nature , revela que elas também podem ser  rejeitadas quando reinjetadas no mesmo animal de onde foram retiradas.
Células reprogramadas ou IPS (do inglês induced reprogrammed stem cells) são uma excelente ferramenta para entender mecanismos patológicos e pesquisar novos tratamentos
Recordando, essas células que podem ser retiradas teoricamente  de vários tecidos adultos podem – através da ativação de alguns genes específicos – voltar a se comportar como embrionárias. Assim tornam-se capazes de se diferenciar em qualquer tipo celular, como o cardíaco, músculo, gordura, osso ou células nervosas.
Desde a sua descoberta imaginava-se que seriam ótimas para pesquisas.  De fato são. Vários trabalhos já foram publicados mostrando que é possível reprogramar células de pacientes com diferentes doenças, gerar linhagens celulares, e testar diferentes abordagens terapêuticas para tratar aquela doença. Esse potencial das células IPS é incontestável.
Perdoam, mas não esquecem
A grande questão levantada desde a descoberta  das células IPS é se elas algum dia poderiam ser usadas para terapia celular, isto é, para substituir células ou tecidos lesionados. Apesar de ser muito semelhantes às células embrionárias, capazes realmente de formar qualquer tecido (que é a vocação natural das células-tronco embrionárias) uma primeira pesquisa mostrando que elas guardam uma “memória” de onde foram retiradas e “preferem” se diferenciar naquele tecido- foi publicada em setembro de 2010  pelo grupo do George Daley. Outras pesquisas publicadas  recentemente (Nature cell biology, maio de 2011) confirmaram esse achado e por isso brincam que elas “perdoam, mas não esquecem”.
A novidade é a rejeição
Uma nova pesquisa que acaba de ser publicada na revista Nature, liderada pelo Dr. Xu, mostrou que células IPS retiradas de camundongos foram rejeitadas quando reimplantadas em animais com a mesma constituição genética. Normalmente as verdadeiras células-tronco embrionárias, quando injetadas em camundongos formam um tipo especial de tumor, chamado de teratoma.
A presença do teratoma é a prova que as células injetadas são realmente pluripotentes, isto é, capazes de formar qualquer tecido. Entretanto, essas células IPS de camundongos, quando reinjetadas, ou não formaram teratomas ou formaram alguns que foram rejeitados pelo animal receptor.  Descobriu-se que os teratomas estavam expressando genes que provocavam  uma resposta imune.
Um balde de água fria?
Para aqueles que achavam que era possível reinjetar células-tronco derivadas das IPS,  sem preocupação com o problema da rejeição, desde que fossem retiradas da mesma pessoa, foi um balde de água fria. Mas na realidade o quadro não é tão negro assim. Talvez seja possível controlar esses genes que provocaram a resposta imune. Ou então administrar drogas imunosupressoras para evitar a rejeição. Mas o fato é que serão necessárias mais pesquisas antes de poder saber se células IPS poderão ser usadas para terapia celular. A boa notícia é que elas têm nos ajudado muito a entender os mecanismos que causam diferentes doenças genéticas abrindo novos caminhos para seu tratamento. E que outras células-tronco adultas estão sendo testadas com resultados promissores em modelos animais.

             Por Mayana Zatz
             Geneticista - USP

Terapia com células-tronco: Quando???


A única dúvida é... quando??? Isso nos faz lembrar uma MPB que diz:
“Mas quando será, quando será, o dia da minha sorte?
Sei que antes da minha morte, eu sei que esse dia chegará”.


A terapia com células-tronco tornou-se para mim nos dias de hoje um assunto intrigante, envolvente, prioritário, e sem querer ser exagerado, uma obstinação. Simples, é que o futuro do tratamento e até mesmo da cura das diversas doenças neuromusculares (inclua-se aí a ELA) está na terapia com células-tronco.
A única dúvida é... quando??? Isso nos faz lembrar uma MPB que diz:


 “Mas quando será, quando será, o dia da minha sorte?
Sei que antes da minha morte, eu sei que esse dia chegará
 Para mim, e acredito que para tantos pacientes, familiares, cuidadores e profissionais de saúde, o melhor caminho é nunca deixar de renovarmos a nossa esperança de que esse dia não esteja tão longe, como escreveu o poeta, até porque muitos de nós estamos numa avassaladora luta contra o tempo, não temos que pensar diferente, mas sim torcer para que todas as barreiras existentes que ainda emperram o desenvolvimento das pesquisas, principalmente com células-tronco embrionárias, onde ainda há questões éticas e religiosas a serem debatidas sejam equacionadas.
Pensando na importância do assunto, separei para postar em meu Blog 3 publicações que remetem ao mesmo tema central: terapia com células-tronco. Os temas são: 

1-CELULAS REPROGRAMADAS SÃO REJEITADAS   

2-NEURÔNIO PRODUZIDO IN VITRO NÃO FUNCIONA
  
3-TRANSDIFERERNCIAÇÃO: COMO FAZER UM NEURÕNIO?
   
São publicações que trazem informações muito importantes e esclarecedoras para quem busca um melhor entendimento sobre o assunto.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Entrevista com a Drª Lygia da Veiga Pereira (Parte 2)

Continuação...

Para a pesquisadora da USP, as questões burocráticas são um enorme empecilho ao desenvolvimento científico brasileiro e o país perde aí toda sua vantagem competitiva. E Lygia vai mais longe, ao questionar:
Como é que queremos atrair gente de fora (pesquisadores e alunos de pós-graduação) se eles, ao chegar aqui, vão esbarrar com um montão de regras burocráticas inúteis? O meu empregador – o Governo – está me dando dinheiro para eu fazer pesquisa, para fazer Ciência, e é ele próprio o criador de uma série de dificuldades que impede que eu realize o trabalho que ele me encomendou – um trabalho que é um investimento público. No meio disto tudo, a boa notícia é que tudo aquilo que eu acabo de dizer está dependente de vontade política. Não se trata de dar mais dinheiro para a Ciência e Tecnologia: o que se trata é de, com o mesmo dinheiro, o Governo pode criar mecanismos para facilitar a vida do pesquisador, já que esse dinheiro poderá gerar muito mais produtividade. Veja a oportunidade que este novo Governo tem de realmente entrar para a história da Ciência brasileira! Se houver vontade política, principalmente no que diz respeito à importação de materiais e contratação de pessoal técnico e de apoio, o cientista ficará com sua vida facilitada, será mais ágil no desenvolvimento de seus experimentos, acrescenta a cientista.
Atendendo a que 99% da ciência do Brasil é feita nas universidades – estaduais e federais –, Lygia Pereira critica fortemente o sistema, principalmente na necessidade de abrir morosos concursos públicos e da criação de vagas para admissão de novos pesquisadores, considerando essa regra como uma burocracia inútil: 
O Brasil está formando milhares de pesquisadores e as universidades estão impedidas de absorver essa mão de obra altamente qualificada, devido à burocracia. É preciso que se formem mais profissionais e menos funcionários públicos para a ciência brasileira; deverá haver mais meritocracia, pois, atualmente, quem é bom pesquisador, ou técnico, ganha o mesmo de quem é ruim. Outra coisa aberrante é a falta de infraestrutura administrativa, em que um pesquisador tem que parar o que está fazendo para, por exemplo, fazer contabilidade, aceder a pedidos, tratar da correspondência, escrever cartas, até colocar papel toalha no laboratório, etc. Isso é um absurdo. Todos esses serviços – que são importantes e mesmo indispensáveis – devem ser executados por pessoal administrativo e de apoio devidamente capacitado e não pelos cientistas, que têm que pensar e trabalhar em ciência, pois é para isso que são pagos, acrescenta Lygia Pereira.
Na opinião da cientista, a ciência brasileira avançou na última década, mas não da forma espetacular como a mídia enfatizou. Para Lygia Pereira, os principais destaques da ciência nacional estiveram quase sempre atrelados a grupos de cientistas que trabalham no exterior e que estabelecem parcerias fantásticas com colegas brasileiros, ou então graças a pesquisadores brasileiros que vão trabalhar para fora e que têm chance de desenvolver com rapidez os seus experimentos. Quanto ao futuro, a pesquisadora da USP tem esperança que o Governo quebre as dificuldades:


De fato, penso que os avanços da ciência brasileira, na última década, foram muito modestos face ao potencial que o país tem. A minha expectativa, para um futuro a curto e médio prazo, é que o Governo comece a ouvir todas as questões que impedem o desenvolvimento científico nacional. Existe um movimento dentro da comunidade científica nacional que quer mostrar aos governantes que “o rei vai nu”: fazem-se pesquisas, publicam-se papers… mas é obrigação do Governo reparar quais são as condições de trabalho que os pesquisadores brasileiros têm… A comunidade científica vai começar a reclamar, mas de uma forma construtiva, com diálogo, apontando os desperdícios de dinheiro público e de energia. A mídia já está dando espaço para essas reclamações, já virou assunto de pauta, e eu estou muito esperançada que este novo Governo veja aí uma oportunidade para, sem botar a mão no bolso, melhorar muito as condições de pesquisa no país, enfatiza a cientista.
Dando como exemplo a enorme distância que ainda separa a ciência brasileira da ciência americana, dentro de sua área de pesquisa, Lygia Pereira refere que o intervalo tecnológico, na área de genética, por exemplo, é cada vez maior. Nos anos 80/90 apareceram no mundo centenas de grupos que se uniram para seqüenciar o genoma humano, tendo demorado cerca de quinze anos para fazer isso. Hoje já existem máquinas que seqüenciam o genoma humano em um mês:
Basta ver de que forma é tratado o processo de aquisição de um equipamento como esse – ou similar – no Brasil. O equipamento chega no nosso país e aí assistimos a uma verdadeira novela para que ele seja liberado pela alfândega. Depois, seja qual for o instituto para que esse equipamento se destine, ele chega e os pesquisadores têm, desde logo, que pensar em ultrapassar e arranjar alternativas para a péssima assistência técnica que a maioria das empresas brasileiras fornece, porque o pesquisador responsável não pode contratar um técnico ou mandá-lo ao exterior para se especializar, enfim, é de chorar. Você tem uma máquina super complexa e até esse equipamento começar a funcionar plenamente você já perdeu a cabeça e fica com um elefante branco no laboratório: quando chegar o momento dessa máquina começar a gerar resultados, ela já estará obsoleta e você jogará fora uma fortuna. Teria ficado mais barato você ter enviado seu experimento para uma empresa terceirizada na China. Então, dadas as condições que temos no Brasil, eu pergunto: o que é mais importante, por exemplo, dentro da genética? Fazer um seqüenciamento, ou saber interpretar uma sequência? Vale a pena terceirizarem-se essas técnicas mais sofisticadas, já que estamos fadados a comprar equipamentos mais caros, sem termos a garantia de uma assistência técnica nacional qualificada e ágil? Temos que pensar seriamente em tudo isso. Por exemplo, o Projeto Genoma, da FAPESP, foi uma iniciativa sensacional, mas talvez se tenha perdido ali uma oportunidade. Será que é mais importante a gente criar toda uma infraestrutura de laboratórios capazes de seqüenciar DNA, ou ter-se criado, ao mesmo tempo, uma infraestrutura equivalente de bioinformática, com gente capaz de interpretar essas sequências? Nós temos uma falta enorme de bioinformáticos no Brasil. Criou-se uma infraestrutura enorme, em termos de seqüenciamento, sem geração de matéria-prima – que é a informação que você tira dessa sequência – e é isso que faz a diferença, porque a tecnologia está tomando uma dimensão enorme na ciência, esclarece Lygia Pereira.
Na reta final desta conversa, Lygia Pereira refere que se deveria parar para pensar direito no que é de fato importante. Para a cientista, as pessoas têm preconceitos em terceirizar experimentos, enquanto nos EUA e na Europa isso é um lugar comum. Todas as universidades dos EUA têm laboratórios fora de seus campi para processarem uma série de técnicas e dar um suporte eficaz aos experimentos científicos, dando os resultados, as interpretações: para a nossa entrevistada isso é que é importante para um cientista.
Quando pedimos para Lygia Pereira deixar uma mensagem para seus colegas pesquisadores, ela rematou:
A mensagem que eu deixo para meus colegas cientistas é a seguinte: Parabéns!… Vocês são heróis!

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Data: sáb, 26/03/11 – 19:07
Rui Correia Sintra – Jornalista (SINC DO BRASIL)

Entrevista com a Drª Lygia da Veiga Pereira (Parte 1)


Lygia da Veiga Pereira: carioca, 43 anos de idade, cientista do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) formou-se em Física pela PUC e fez doutorado em Genética Humana Molecular no Mount Sinai Medical Center, em Nova York. Esta pesquisadora brasileira é mundialmente conhecida por ter sido pioneira nas pesquisas sobre células-tronco, já que sua equipe foi a primeira a conseguir extrair e multiplicar células-tronco retiradas de embriões congelados em clínicas de fertilização de São Paulo.

 Diversas vezes convidada para participar em entrevistas e debates nos mais consagrados jornais, rádios e canais de TV nacionais e internacionais, Lygia Pereira é uma pessoa que, além do seu profundo conhecimento científico, se mostra descomplicada no diálogo, incisiva e pragmática. Talvez por isso tenha sido convidada para desempenhar as funções de consultora dos atores na novela O Clone, apresentada pela Rede Globo. Lygia Pereira integrou também, e por diversas vezes, inúmeras comitivas de cientistas que se deslocaram a Brasília para conscientizar as autoridades sobre a importância de se prosseguirem os estudos com embriões no Brasil. 

Foi com esta mulher e cientista extraordinária que tivemos o prazer de conversar, um diálogo que começou na sua paixão científica – células-tronco – e finalizou na política científica do Brasil.
A terapia celular vem ocupando, desde há alguns anos, um espaço enorme de divulgação, principalmente na mídia. Para Lygia Pereira, essa mídia tende a apresentar os pequenos avanços que foram feitos nessa área de uma forma muito sensacionalista, até porque existe uma expectativa muito grande da população e dos pacientes em terem resultados positivos e de essas promessas poderem virar realidade. Assim, segundo a pesquisadora, qualquer pequeno avanço é notícia de primeira página: 


Isso faz com que a população – os leigos – tenha uma percepção de que a terapia com células-tronco já seja uma realidade e que nós já estejamos tratando derrames, infartos diabetes através desse procedimento. Tudo isso é ainda uma promessa. As únicas terapias que estão consolidadas, utilizando células-tronco, e que qualquer médico pode aconselhar, são os transplantes de medula óssea, um procedimento clínico que já é feito há cerca de cinqüenta anos; e o transplante de medula óssea é um transplante de células-tronco, células essas que são responsáveis pela “fabricação” do sangue. Então, quando alguém tem, por exemplo, uma leucemia, uma das formas de tratamento é através do transplante de medula óssea, e desde 950 que isso é feito. Por enquanto, esse é o único tratamento com células-tronco que é consolidado na medicina, esse é o único tratamento com base em células-tronco que um médico pode receitar para seu paciente. Tudo o resto – lesão de medula, doença cardíaca, AVC – ainda é experimental – refere Lygia Pereira.

Segundo a pesquisadora, para a Doença de Parkinson, por exemplo, ainda se está na fase de testes em camundongos, enquanto que em outras doenças já se avançou um pouco mais, tendo-se entrado na fase de testes em humanos:
 De vez em quando aparece nos jornais, principalmente na TV, títulos como este: “paciente cardíaco tratado com células-tronco sai da fila de transplantes”; essa noticia é maravilhosa, contudo, esse paciente faz parte de um grupo grande de pacientes que está sendo testado, ou seja, ele faz parte de um experimento. Um resultado positivo conta pouco, o que temos de ver é quantos pacientes melhoraram com a introdução das células-tronco, versus os que não foram tratados com elas. Esse paciente melhorou por coincidência, por mero acaso, ou foi graças às células-tronco?… Tudo isto é muito mais complexo do que aquilo que a mídia divulga. O importante é as pessoas saberem que, apesar de em algumas áreas nós já termos avançado muito, o certo é que nenhum médico sério pode oferecer tratamentos com células-tronco para nenhuma das doenças que falamos atrás, porque isso ainda está em fase de experimentação, de pesquisa – sublinha Lygia Pereira.

 Quando questionamos a pesquisadora sobre quanto tempo demorará até se conseguir ter respostas concretas, Lygia foi incisiva:
 Bem, isso vai depender da área de pesquisa. Os tratamentos com células-tronco têm diferentes “velocidades”, conforme o tipo de doença. Por exemplo, no caso da diabetes auto-imune – em que o paciente tem essa doença porque seu sistema imunológico ataca suas células do pâncreas -, o Prof. Júlio Voltarelli, da USP de Ribeirão Preto, está tendo resultados muito bons nos testes que estão sendo feitos em humanos, aplicando células-tronco. Então, o tratamento para esse tipo de doença está mais avançado, está mais próximo de uma realidade clínica: mas, atenção, estar mais próximo não significa que existe uma certeza de que esse tratamento vai virar uma realidade clínica. Contudo, esses estudos do Prof. Voltarelli estão, de fato, muito avançados e estão muito perto de virar tratamento. Outras doenças, como, por exemplo, lesão de medula e paralisia, nós ainda não vimos nenhum resultado animador nos testes feitos em humanos. Foi aprovado, nos Estados Unidos, recentemente, um ensaio clínico utilizando células-tronco embrionárias e vamos ver se elas funcionam para esses tipos de doenças. As doenças do sistema nervoso são bem mais complexas, daí que você tenha velocidades diferentes na aplicação das células-tronco – enfatiza a pesquisadora.

Lygia Pereira não arrisca dizer em quanto tempo se poderá ter respostas concretas e positivas na aplicação de células-tronco para determinadas doenças:
Há dez anos eu dizia que demoraria dez anos para haver uma evolução concreta e estamos neste estágio: hoje eu não vou dizer que espero ter respostas positivas daqui a dez anos. Eu entendo a expectativa e urgência dos pacientes e de seus familiares, mas a pesquisa séria, além de ser audaciosa, tem que ser cautelosa e por isso eu digo que estamos na fase da promessa, bem embasada, com muitos testes promissores. Vamos aguardar – remata a conferencista.

Quando questionada sobre o crescimento da ciência brasileira na última década, Lygia Pereira mostrou-se cautelosa, tendo referido que só poderia falar em relação à sua área de pesquisa, já que para falar em termos globais teria que abordar outras áreas do conhecimento, como psicologia ou sociologia, que estão fora do seu escopo. Contudo, a cientista refere que o que aconteceu nos últimos anos foi que a ciência brasileira teve um apoio muito consistente do Governo Federal, embora sublinhe que o Estado de São Paulo seja um caso à parte:
De fato, o Estado de São Paulo tem a FAPESP, que possui um nível de excelência extraordinário e que se mantém inalterável. Foi por causa da FAPESP que eu troquei o Rio de Janeiro por São Paulo, em 1995, e não é fácil para uma carioca dizer isto. Para fazer ciência eu teria que vir para São Paulo, depois de ter passado um período de tempo na “Disneylândia” dos cientistas – Estados Unidos. Então, a FAPESP é uma organização que segue aquele nível de excelência que todo o pesquisador procura. Na verdade, o que eu notei na última década foi que existiu uma maior consistência nos financiamentos oriundos do Governo Federal, principalmente na área das células-tronco. Por outro lado, onde notei que não houve avanço algum foi na burocracia instalada, principalmente na questão da importação de material e de reagentes. Por exemplo, 95% dos reagentes que os cientistas utilizam em seus laboratórios são importados e, em ciência, você precisa ter agilidade: ou seja, se você tem uma idéia nova, uma nova hipótese ou caminho para um trabalho experimental que está sendo desenvolvido, em que é necessário utilizar novos reagentes, é fundamental haver agilidade. Se eu quero fazer ciência de “gente grande” – como se faz nos EUA e na Europa – eu tenho que ter agilidade. Os pesquisadores europeus e americanos têm os reagentes necessários no dia seguinte a fazerem o pedido. Mesmo com o dinheiro na mão, eu só consigo em dois meses – e com alguma sorte – ter o reagente que me faz falta e isso é de uma frustração enorme para qualquer pesquisador, destruindo qualquer intenção científica. Se eu tiver que esperar – na melhor das hipóteses – dois ou três meses para fazer um experimento, então é melhor desistir, pois ele já estará defasado, ultrapassado. Se quisermos ter pretensões de fazer ciência de primeiro mundo, temos que ter agilidade. Nós temos toneladas de excelentes idéias, temos milhares de cientistas bons e é extremamente frustrante termos toda essa capacidade e criatividade e ficarmos esbarrando em besteiras - refere Lygia Pereira.
Continua....